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Paraná quer terceirizar merenda escolar nas 2,1 mil escolas da rede estadual

Autarquia da Seed responsável pelos programas de alimentação confirmou que estuda repassar serviço de alimentação escolar a empresas privadas

Paraná quer terceirizar merenda escolar nas 2,1 mil escolas da rede estadual
Plural Curitiba
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O Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional (Fundepar), que coordena programas nas escolas estaduais do Paraná, estuda terceirizar a merenda escolar. A confirmação foi feita ao Plural na tarde desta quarta (17) pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed), pasta à qual a autarquia está vinculada.

O secretário da Educação e do Esporte do Paraná, Renato Feder, já vinha sendo questionado por deputados a respeito da intenção da pasta de completar a terceirização do serviço da merenda nas escolas da rede estadual. No ano passado, sob aprovação do legislativo, ele já havia conseguido extinguir o cargo de agente educacional I, responsável por atividades de zeladoria e preparo da merenda nas 2,1 mil escolas do estado. O contingente demitido foi substituído por empregados terceirizados.  

O assunto da entrega da merenda escolar a empresas contratadas veio à tona nas sessões da Assembleia Legislativa (Alep) desta terça (16) e quarta-feira (17).

A proposta teria sido levantada por Feder – que já defendeu a privatização de todo o sistema de educação – durante uma reunião do Fundepar. Após a discussão na sessão de terça, o líder do governo na Casa, o deputado Hussein Bakri (PSD), prometeu buscar esclarecimentos e afirmou, nesta quarta, que “não existe absolutamente nada” sendo discutido a respeito, sem, no entanto, dar mais detalhes. Contudo, a própria Seed desmentiu o parlamentar.

O Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional Fundepar informa que atua para que alimentação escolar fornecida aos estudantes da rede estadual de ensino seja sempre de qualidade. Nesse sentido, buscar melhorias no fornecimento dessa alimentação também interessa às ações da autarquia. Assim, já está em fase inicial um estudo de viabilidade para possível modelo de oferta terceirizada nas escolas estaduais”, diz um trecho da nota encaminhada à reportagem.

A falta de comunicados oficiais, até então, levou a oposição a protocolar um pedido ao governo. O requerimento foi encaminhado pelo deputado Professor Lemos (PT) e pede para que a gestão não terceirize o serviço, cuja prática é regida pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do governo Federal. Por esta política, estados e municípios têm verba garantida para suplementar os custos das refeições durante os 200 dias letivos do ano, desde a creche ao Ensino Médio.

Pequenos produtores podem ser prejudicados

O receio é que, com a terceirização, a alimentação escolar perca qualidade, e a União tranque parte da verba hoje destinada ao Paraná. Lei de 2009 determina que ao menos 30% do valor repassado pelo PNAE deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar, como medida de estímulo ao desenvolvimento econômico dos pequenos produtores. A quebra do fluxo existente poderia segurar a parcela exclusiva, e a interrupção da negociação direta do estado com os produtores poderia dar a empresas contratadas o direito de escolher fornecedores de maior porte.

“A terceirização faz com que o governo federal deixe de repassar o recurso, pelo menos 30%, que é destinado para aquisição direta da agricultura familiar. A alimentação escolar tem que seguir no modelo como está atualmente, comprada da agricultura familiar. A Constituição Federal estabelece que a merenda escolar é papel do Estado, portanto, não deve haver terceirização no setor”, justifica o deputado no requerimento.

No Paraná, o impacto poderia ser ainda maior. Acompanhando a tendência econômica do próprio estado, o governo destina hoje uma média 70% das verbas do PNAE para a compra de alimentos da agricultura familiar. Nos últimos quatro anos foram aproximadamente 150 associações e cooperativas selecionadas nas chamadas públicas anuais, totalizando, em média, 15 mil famílias.

Aí você multiplica isso por uma família média de cinco pessoas e vai ter a ideia do impacto que isso tem. Isso diretamente, mas imagina toda a cadeia que movimenta a nível local com combustível, com logística”, observa Olcimar da Rosa, presidente da Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná (CCA/PR), uma das entidades fornecedoras de alimentos para a merenda escolar da rede estadual.

Segundo ele, somente a especulação, antes da confirmação do governo, já havia surpreendido os pequenos agricultores autorizados a venderem parte de sua produção para o programa.

O Conselho Estadual de Alimentação Escolar também se mostrou surpreso e disse não ter havido, até agora, nenhum tipo de consulta interna para discutir o tema.

“Eu também fui pego de surpresa com algumas cooperativas já se posicionando, mas quero adiantar que será um grave prejuízo tanto para a alimentação escolar, para os alunos e para  educação em si. Isso [a terceirização] beneficia setores da economia empresarial, não agricultores e muito menos a qualidade da alimentação escolar, e olha que temos a melhor alimentação escolar do brasil. O governo terá a posição do conselho contrário a isso também”, afirmou José Valdivino de Moraes, integrante do Conselho.  

Em relação à agricultura familiar, a Fundepar informou, no entanto, “que não há qualquer alteração na metodologia de aquisição dos produtos das associações ou cooperativas, que contam, atualmente, com quase 20 mil famílias”. A autarquia ainda garantiu o lançamento de chamada pública ainda este ano “para a compra de 12 mil quilos de produtos com investimento de cerca de R$ 80 milhões para 2022”.

Contradição

Em 2021, a verba total do PNAE destinado às escolas públicas estaduais foi de R$ 75 milhões, R$ 15 milhões a menos do que os repasses estabelecidos no edital para o ano letivo de 2020.

O montante repassado pela União a estados e municípios por dia letivo para cada aluno é definido de acordo com a etapa e modalidade de ensino. Para o ensino fundamental e médio, onde está a maior massa de estudantes, o valor é de R$ 0,36, considerado baixo pelos fornecedores. A defasagem – mesmo com a alta inflacionária o valor se mantém o mesmo desde 2018 – fez associações e cooperativas passarem o ano costurando tratativas com o governo do Paraná para que o estado incrementasse com recursos próprios a soma.

Estávamos nesse processo para que o estado colocasse mais recursos próprios para melhorar a política da merenda, e parece que existia uma empatia com relação à importância do programa. Isso, se confirmando, é contradição dentro do próprio governo”, defende Rosa.

A aquisição de alimentos dos pequenos produtores rurais é essencial para o desenvolvimento social e econômico de milhares de famílias rurais em todo o Paraná. Muitas das aproximadamente 150 cooperativas que fornecem alimentos para o programa de merenda escolar no estado têm o PNAE como principal destino dos negócios, e as que não dependem exclusivamente destas vendas têm nos contratos com o estado uma garantia variável entre 40% e 50% dos ganhos, afirma o presidente da CCA/PR.

Em março deste ano, ainda com parte das escolas fechadas por causa da pandemia, as 2,1 mil escolas da rede estadual estavam recebendo de pequenos produtores cerca de 700 mil quilos de alimentos a cada 15 dias – agora a entrega já voltou a ser semanal. No pacote há gêneros diversificados de frutas, hortaliças, legumes e tubérculos, de acordo com a disponibilidade sazonal, além de temperos, leite, pães, ovos, iogurte, feijão e arroz.

Os contratos assinados permitem que os nossos alunos consumam alimentos in natura, com baixo teor químico na produção, que contribuem para que desenvolvam hábitos alimentares saudáveis”, foi a fala o diretor-presidente Fundepar, Alexandre Modesto Cordeiro, no início do ano letivo de 2021.

Até setembro deste ano, somando os recursos estaduais, os investimentos em merenda escolar chegaram R$ 198 milhões. De acordo com o próprio governo, a medida garantiu que 221 mil famílias cadastradas em programas sociais fossem atendidas com distribuição de produtos armazenados nas escolas e da agricultura familiar – um apoio essencial no contexto de vulnerabilidade desenhado a partir da pandemia.

Por causa da suspensão das aulas, o Congresso aprovou nova legislação autorizando a distribuição dos alimentos antes consumidos dentro das escolas às famílias em situação de vulnerabilidade. A garantia foi defendida por entidades como A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que alertaram o risco nutricional de crianças e adolescente em temos de escolas fechadas.

Em conversa com o Plural nesta quarta, o deputado Professor Lemos (PT), autor do requerimento encaminhado ao governador Ratinho Jr. e ao secretário Renato Feder, reiterou que a terceirização do serviço de merenda escolar tem gerado preocupação.

O paraná tem algumas experiências ruins com terceirização. No caso dos funcionários [contratados via PSSs, que tiveram os cargos eliminados e foram substituídos por terceirizados este ano] estado gastava 11 milhões com contratos de 11 mil funcionários, agora gasta 30 milhões por mês com 8 mil funcionários”, alegou. “Não concordamos com isso”.

Mesmo sem ser implantada, a terceirização da merenda escolar no Paraná já havia passado por polêmicas. Um dos investigados pela operação Quadro Negro, que apurou desvios milionários de verbas destinadas a obras nas escolas do estado, chegou a mencionar em delação premiada que a intenção do governo era usar a privatização da alimentação escolar para desviar dinheiro. A informação estruturou um dos depoimentos do ex-diretor de Engenharia, Projetos e Orçamentos da Secretaria de Educação (Seed), Maurício Fanini, na pasta durante a gestão de Beto Richa (PSDB).

FONTE/CRÉDITOS: Plural Curitiba
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