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Universidade ficou mais elitista em uma década com reduções no Enem, Fies e ProUni

Ensino remoto prolongado, restrições nas isenções e crise econômica geram os problemas, apontam especialistas

Universidade ficou mais elitista em uma década com reduções no Enem, Fies e ProUni
Agência O Globo
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Quedas históricas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e no Programa Universidade para Todos (Prouni) restringem o acesso ao ensino superior, especialmente aos estudantes mais pobres, de forma inédita na última década.

Com o menor número de inscritos desde 2005, o Enem — principal porta de entrada no ensino superior — deixou de fora neste ano, na avaliação de especialistas, alunos que não se sentiram preparados para fazer o teste após cerca de um ano e meio no ensino remoto e os que não conseguiram isenção do valor da prova.

Em São Paulo, Tauane Silva, de 18 anos, foi uma dentre muitos jovens que desistiram do Enem antes da prova. Ela conta que não se sente suficientemente preparada para o exame e, por isso, achou melhor não se inscrever.

— Fiz a prova no ano passado e ela estava muito difícil, fui muito mal mesmo depois de ter estudado. Então, não senti que fosse capaz de fazer de novo. Fiquei insegura e nem me inscrevi — diz. — Se não fosse o ensino remoto, com certeza estaria mais preparada.

Além do desestímulo dos jovens, causado principalmente por quase um ano e meio de afastamento físico da escola, o MEC decidiu manter a regra que nega a gratuidade do Enem aos que faltaram à prova no ano anterior. Com isso, 3 milhões de pessoas (55% dos inscritos, recorde histórico de abstenção) que não compareceram ao exame em meio ao crescimento de casos de Covid-19 em janeiro deste ano, quando o Enem foi realizado, perderam esse direito. O número é equivalente ao total de inscritos em 2021. Uma das que faltaram foi Vanessa Alves, de 25 anos, que agora não pode pagar R$ 85, taxa cobrada pelo MEC para alunos sem direito à isenção fazerem a prova.

— Fiz o Enem em 2015, não passei e precisei trabalhar. Tinha decidido voltar a fazer para realizar meu sonho de ser professora e conseguir ajudar minha família. Não vou poder — conta a moradora de Fortaleza.

Já Dayane Mota, de 29 anos, chegou a começar o curso de enfermagem, mas perdeu a bolsa de estudos no Espírito Santo quando precisou se mudar para o Rio. Ela faria o Enem neste ano para tentar um novo desconto. No entanto, por conta de uma doença autoimune que a deixa com imunidade baixa, faltou à prova no ano passado, o que a impediu de pedir isenção agora.

— Nunca tinha faltado a um Enem na vida. Mas desta vez fiquei com muito medo de pegar Covid — conta a jovem, que trabalha como caixa do mercado, mas está afastada por conta da doença. — Estou esperando há três meses para receber do INSS e tenho três filhas para cuidar. Não tinha como pagar a inscrição.

A ONG Educafro afirmou que entrará nesta semana com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) para reverter a decisão do governo de manter a recusa de gratuidade no Enem para os alunos que faltaram à prova no ano passado, o que contraria uma recomendação da Defensoria Pública da União (DPU).

Só quem justificou a ausência com um atestado médico seguiu tendo esse direito. Isso exclui, por exemplo, pessoas que tiveram medo de pegar Covid-19.

— Desconsiderar os efeitos da pandemia e negar a isenção à taxa de matrícula para o Enem é de uma insensibilidade atroz, algo que precisa ser reconsiderado urgentemente — afirma Frei David, diretor executivo da Educafro.

Segundo a ONG, o resultado prático dessa decisão foi a derrubada de isenções concedida. De acordo com o grupo, 3,6 milhões de alunos tiveram direito à gratuidade em 2020. Já em 2021, foram apenas 820 mil. Os números foram publicados pelo portal Uol.

Segundo o edital do Enem, tem direito à gratuidade quem cursa a última série do ensino médio em escola da rede pública ou quem já se formou e cursou toda a etapa na rede pública ou como bolsista integral na rede privada. Também é preciso ter renda per capita igual ou inferior a um salário mínimo e meio.

Na avaliação de Gregório Grisa, doutor em educação pela UFRGS, a tendência é a de que o número de inscritos do Enem volte a subir e que esse fenômeno tenha sido conjuntural. Além disso, ele avalia que a Lei de Cotas — que precisa ser renovada em 2022 — impede uma elitização no longo prazo do ensino superior público. No entanto, ele vê problemas no setor privado, responsável por 80% das matrículas:

— Países com ensino superior privado tão grande como o nosso são dependentes do mercado de trabalho ativo e economia mais dinâmica. O pagamento das matrículas e mensalidades vem daí. Não temos o estado tão presente quanto antes — avalia.

Crise no setor privado

As 2.306 unidades de ensino superior privadas têm, segundo o Censo de Educação Superior de 2019, 6,5 milhões de estudantes. Isso corresponde a 75% dos universitários brasileiros, sendo 90% das camadas C, D e E. Desde 2015, no entanto, o setor sofre com oscilações na economia — que afetam os mais pobres e os tiram das salas de aulas. Para piorar, Fies e Prouni — dois programas estatais de acesso ao ensino superior — também vivem momentos de seca.

O primeiro, no qual o governo financia as mensalidades e os alunos só pagam a dívida ao se formar, deve fechar 2021 com o menor número de novos contratos desde 2009, segundo estimativa do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil.

— No ensino privado, se a economia está em situação melhor, as pessoas podem assumir dívida, e a demanda aumenta. Não é o caso agora. Essa é uma parte da explicação, mas não a única. O Fies é uma política que está escanteada— avalia Bruna Cataldo, pesquisadora especialista em ensino superior do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento da UFF.

Segundo dados do relatório sobre educação em diferentes regiões do mundo Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem apenas 21% dos adultos de 25 a 34 anos com ensino superior. Além disso, ainda segundo a OCDE, um brasileiro com educação superior ganha, na média, o dobro do valor pago a quem tem apenas o ensino médio completo.

Novo modelo proposto

Especialistas em financiamento estudantil, como Cataldo, defendem que o Brasil adote modelo que condiciona o pagamento do empréstimo à pessoa conseguir certo nível de renda após acabar a universidade. Quando ela tem trabalho, vai pagando a dívida. Caso seja demitida, o débito é congelado.

— É importante fazer alguma coisa, porque um país com 75% das matrículas do ensino superior não pode ficar sem um bom programa de crédito estudantil — diz a especialista.

Já o Prouni, na qual o governo paga bolsas de estudo a alunos pobres de 100% ou 50%, tem 30% menos vagas do que em 2020 e chegou ao menor patamar desde 2013, segundo dados da Frente Parlamentar Mista de Educação.

De acordo com o Ministério da Educação, a queda reflete a diminuição de estudantes no ensino superior privado. Isso porque, no Prouni, o número de bolsas depende da quantidade de estudantes que pagam suas mensalidades. Ou seja, quando há menos universitários nos cursos privados, o número de vagas do Prouni cai.

FONTE/CRÉDITOS: O Globo

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