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Na ONU, Bachelet expressa 'sérias preocupações' com a situação dos direitos humanos no Brasil

Alta comissária da ONU chamou atenção para ameças a povos indígenas e para projeto antiterror de Bolsonaro

Na ONU, Bachelet expressa 'sérias preocupações' com a situação dos direitos humanos no Brasil
Fabrice Coffrini / AFP
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A alta comissária das Nações Unidos para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, mencionou mais uma vez o Brasil na lista dos cerca de 40 países onde o estado dos direitos humanos é mais "preocupante". As críticas foram centralizadas na situação dos povos indígenas e no projeto do presidente Jair Bolsonaro para alterar a legislação antiterrorismo, que a ex-presidente chilena disse aumentar os riscos para ativistas e defensores dos direitos humanos.

A fala de Bachelet marcou a abertura da última sessão deste ano do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que vai até o dia 8 de outubro, em Genebra. O Brasil terá a oportunidade de responde às críticas já na terça-feira, mas a menção aumenta a pressão internacional sobre Bolsonaro, que abrirá na semana que vem  a sessão anual da Assembleia Geral da ONU em Nova York, função que tradicionalmente cabe ao líder brasileiro.  

— No Brasil, estou preocupada com os ataques recentes contra integrantes dos povos ianomâmi e munduruku por garimpeiros ilegais na Amazônia — disse a ex-presidente chilena. — Tentativas de legalizar a entrada de empresas em territórios indígenas e limitar a demarcação de terras indígenas, notoriamente por meio de um projeto de lei que está sendo discutido na Câmara dos Deputados, também são motivos de sérias preocupações.

A legislação a que Bachelet se refere é o Projeto de Lei nº 490/2007, aprovado em junho pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que busca alterar o processo de demarcação de terras indígenas e inova ao prever que só poderão ser consideradas terras indígenas aquelas que em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, já estivessem em poder e ocupadas por esses povos. Hoje não há tal exigência.

A constitucionalidade do marco temporal, por sua vez, será pautada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana, e mais de 80 processos sobre o assunto aguardam o veredicto da Corte para prosseguir. Para grupos defensores dos direitos humanos, a medida seria não só inconstitucional, já que a Carta de 1988 prevê proteção do Estado aos indígenas, mas também poderia ter impacto catastrófico para a preservação do meio ambiente.

Ameaças de deixar o pacto

— Faço um apelo para que as autoridades revertam políticas que afetem negativamente os povos indígenas e não se retirem da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção Indígena — afirmou também Bachelet.

Ela refere-se à ameaça do governo brasileiro de deixar o pacto, vigente no Brasil desde 2004, que trata dos direitos dos povos indígenas, garantindo seu direito à autodeterminação e detalhando termos para a proteção de seus direitos e territórios, por exemplo. Assinado por 23 países, o documento é um dos principais instrumentos jurídicos internacionais sobre o assunto — o Ministério Público com frequência recorre à ela para questionar empreendimentos públicos ou privados que violam os direitos de comunidades indígenas.

Tramita na Câmara, contudo, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), apresentado pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS) uma proposta para que o Congresso autorize Bolsonaro a "denunciar" a Convenção, procedimento que efetivamente tiraria o Brasil do acordo. De acordo com o tratado, todos seus signatários terão uma janela de um ano para denunciá-lo a cada década, período que começou no último dia 5.

No mês passado, a bancada ruralista publicou um documento recomendando que o Brasil deixe a Convenção, mas diversas organizações defensoras dos direitos humanos e jurídicas, como a Associação Nacional dos Procuradores da República, a denunciam. Em junho, uma carta assinada por mais de 240 entidades científicas e sociais, o "discurso desenvolvimentista é a marca histórica do genocídio desses segmentos" e tem como "único objetivo o acúmulo e a concentração de renda à custa da degradação ambiental e do ataque aos direitos fundamentais da população historicamente marginalizada".

Lei antiterror

O segundo aspecto apontado por Bachelet diz respeito ao polêmico projeto apresentado em 2016 pelo então deputado Bolsonaro e redigido pelo hoje deputado federal Vítor Hugo (PSL-GO), militar que era consultor legislativo na Câmara. Ele prevê mudanças nas leis antiterror brasileiras, ampliando o que pode ser tipificado como crimes terroristas e criando o Sistema Nacional Contraterrorista.

— Meu escritório também está preocupado com a nova proposta de legislação antiterrorista no Brasil, que inclui disposições excessivamente vagas e amplas que apresentam riscos de abuso, particularmente contra ativistas sociais e defensores dos direitos humanos — disse Bachelet, que também citou chamou atenção para os direitos humanos em países como Honduras, Guatemala, Nigéria e Mianmar.

No início do ano, o projeto já havia sido motivo de questionamentos de relatores da ONU ao governo brasileiro, que entendem que a proposta atinge liberdades individuais. O projeto bolsonarista prevê a criação de cadastro nacional de locais vulneráveis a atentados, como pontos de alta concentração de pessoas até hidrelétricas e represas, e autoriza uso de identidade falsa pelos agentes — ações que grupos de oposição temem ser usadas contra críticos do governo. Em junho, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), autorizou a criação de uma comissão especial para discutir e votar a medida.

Esta não é a primeira vez que o Brasil é citado por Bachelet: há dois anos, em setembro de 2019, Bachelet denunciou o que considerava ser o "encolhimento do espaço cívico e democrático" no país. Em resposta, Bolsonaro atacou a alta comissária, afirmando que ela estava se “intrometendo nos assuntos internos e na soberania brasileira”, e insultou seu pai, o general de brigada da Força Aérea chilena Alberto Bachelet Martínez. Oficial legalista que se opôs ao golpe chileno de 1973, Alberto Bachelet foi preso, torturado e morreu na prisão.

Em 2020, o país foi mencionado devido a ataques contra defensores de direitos humanos e por esforços para deslegitimar movimentos sociais, por exemplo. Em junho, o país foi também denunciado em um informe como uma das nações onde há racismo sistêmico nas ações policiais. A situação ambiental brasileira e a resposta à pandemia também foram apontadas em fóruns da ONU, assim como o Estado de direito no Brasil.

FONTE/CRÉDITOS: O Globo

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